O sintoma neurótico na psicanálise

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O sintoma neurótico na psicanálise

SPRGS
Publicado por SPRGS em Voz da Sociedade · 13 Junho 2022
Voz da Sociedade
O sintoma neurótico na psicanálise
Susana Joaquim Rodrigues*
Desde o início da Psicanálise, Freud esteve atento aos sintomas apresentados pelas pessoas que buscavam o seu auxílio por conta de algum sofrimento. Através do atendimento às mulheres histéricas, pode perceber que o que se passava no corpo não tinha a ver somente com questões somáticas. Supôs que havia algo psíquico na etiologia das manifestações somáticas que observava. Eram mulheres que sofriam com paralisias, conversões, perda da voz e da visão, entre outros sintomas. Com seus estudos, Freud desenvolveu a teoria e a técnica psicanalítica a partir do postulado de que um processo psíquico estava em ação na formação dos sintomas. Em sua clínica, constatava que estes traziam prejuízos e impedimentos de grande extensão na vida das pessoas, e que estas não conseguiam, muitas vezes, identificar nenhum sentido aparente e atual para o que acontecia.

“Como, de que maneira e por força de quais motivos uma pessoa assume postura tão singular e tão desvantajosa diante da vida?” É a pergunta que Freud faz na conferência “A fixação no trauma, o inconsciente” (1917/2014, p. 365). Questiona isso em relação a duas pacientes que estavam fixadas em determinado ponto do passado, o que as mantinha, sem que soubessem o motivo, afastadas do presente e do futuro. No texto, Freud segue dizendo que esses fatos são corriqueiros nas neuroses.

A partir dessas inquietações, Freud propôs um caminho para pensar a formação do sintoma nas neuroses. Para isso, partiu do princípio de que os sintomas não se formam aleatoriamente. Afirmou que eles tem um sentido, de caráter sexual, vinculado à história do sujeito e que cabe, ao processo analítico buscar, através de associações, o caminho percorrido até a sua constituição para que o sujeito, ao liberar-se das fixações estabelecidas, possa retomar a noção de temporalidade e seguir sua vida na atualidade de forma menos sofrida e limitada.

Freud definiu as psiconeuroses como aquelas patologias que advém de um conflito psíquico e estão associadas a algo que foi recalcado. O que foi recalcado diz respeito à sexualidade infantil. Nas neuroses, os sintomas dão indícios do retorno do recalcado. Durante o desenvolvimento, a criança tem desejos e fantasias sexuais que vão constituir a psique. Esses desejos podem ser inconvenientes ou gerar desprazer no campo da consciência. Por esse motivo, o aparato psíquico busca encontrar uma forma de mantê-los longe da consciência e uma das maneiras possíveis para que isso ocorra é através da ação do recalcamento, que separa os conteúdos da consciência, deixando os que poderiam causar sofrimento no inconsciente. Do recalcamento, resta uma quantidade de energia, um afeto que deverá encontrar um destino. O direcionamento desse afeto, em decorrência da forma como se deu o recalcamento pode dar origem a uma neurose, como as histerias (conversiva e de angústia) e a neurose obsessiva.

De forma sucinta, podemos dizer que, na histeria conversiva, o afeto restante é convertido no corpo e dá origem às queixas somáticas frequentes. Na histeria de angústia, o afeto é deslocado para um objeto externo, que é eleito pelo sujeito como um objeto fobígeno. Na neurose obsessiva, o afeto é deslocado para o pensamento, gerando ideias obsessivas e comportamentos compulsivos.

A formação sintomática é sempre personalizada. É construída a partir das vivências de cada um, da forma como ocorreram as inscrições iniciais, como se deu ou não a dissolução do complexo de Édipo e de quais defesas o sujeito lança mão para defender-se da angústia.  

O sintoma é um substituto para algo que deveria ter acontecido, na fantasia do sujeito, mas não aconteceu. Foi recalcado devido à angústia gerada pela intensidade da ideia incompatível. Como a ideia fica inconsciente, o sujeito fica impedido de recordar, e então vai repetir através do sintoma. Quando consegue recordar, não precisa mais recalcar e pode parar de repetir. O processo de análise pode devolver a temporalidade ao sujeito que ficou fixado no passado. O sintoma, embora realize a satisfação parcial do desejo, é um arranjo muito custoso, pois represa a energia psíquica num circuito de repetição traumática, de reviver o excesso das intensidades.

O processo analítico permite ao sujeito a plasticidade psíquica, ou seja, a capacidade de substituição de objetos e a possibilidade de liberar a libido para outros investimentos. Através do método da associação livre e do manejo da transferência, é possível fazer, em parte, o caminho inverso da formação do sintoma, desfazendo as fixações que prendem o sujeito a um tempo anterior, devolvendo-lhe assim a capacidade de viver no tempo presente. O que foi recalcado e esquecido, sem palavras, precisa ser atualizado através da fala e vivenciado na transferência. Dessa forma, a posição que o sujeito ocupa diante dos objetos de amor pode ser modificada e novas formas de se relacionar, amar e viver podem ser construídas, pois, além de recordar, a tarefa da análise é construir possibilidades. É um tempo-espaço de criação.

* Psicóloga, psicanalista em formação pela SIG, membro do Conselho da SPRGS


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